DIA DE ANIVERSÁRIO
Li este texto e gostei. Hoje, não sei porquê, apeteceu-me trazê-lo para cá.
A criança rompeu pelo café, em direcção a um homem que, concentrado, via o jogo de Portugal contra não sei quem. Puxa-lhe o braço para requisitar a sua atenção. "Olha, tenho uma coisa para te dizer: faço hoje anos!"
O menino não tem mais de três anos. Vaidoso, mostra o blusão novo que recebeu.
Levantei a cabeça do mundo feito de folha de jornal onde estava absorvida, e observei aquela cena, tão pura como pueril. Daí a dois dias seria eu uma criança, que também festeja o aniversário. Não vou usar blusão nesse dia, mas vou aproveitar para vestir uma roupa melhorzinha e, quer queira quer não, vou ter bolo a acompanhar o dia. Um dia que se assemelha sempre triste e feliz. Com uma semana de antecedência, quando começam a surgir lá em casa as indirectas sobre o que é que se vai passar daí a uns dias, começo a fazer uma retrospectiva da minha vida: o que é que eu já fiz, o que é que quero fazer, o que devia ter feito, onde me situo. Vêm à memória coisas do arco da velha, os anos passam depressa. Ainda sou do tempo das latinhas de leite com chocolate da Tody. A memória é feita de imagens, de palavras, de sabores e de cheiros. Esse foi um dos sabores bons da minha infância, como me ficou o cheiro a terra molhada, nos finais das tardes de Verão, quando ajudava a minha avó a regar o quintal. Uma outra geração, da mesma forma que a minha geração também é diferente da geração daquele miudito que apregoa o aniversário. A criança continua a passear-se pelo café, recebendo beijos de todos. Tão diferentes e tão parecidos que nós somos... seja qual for a nossa idade, as pessoas nunca abdicam de nos dar os parabéns e muitos beijinhos.
Mas os anos não são todos iguais, e nem todos os anos são as mesmas pessoas que nos congratulam por mais um aniversário. Depois de amanhã, os meus avós não vão poder dar-me os parabéns. Gente que já morreu. Outros, o tempo (ou a falta deste) e a distância também os levaram, e esquecem o nosso aniversário assim como o nosso rosto. Por isso, ao encontrarem-nos, anos depois e casualmente, recebemos apenas comentários de circunstância ao nosso aspecto físico. A morte é medonha, insuportável. Não foi preciso um aniversário para amadurecer. Não foi pelo facto de fazer dez ou onze anos que cresci. Apercebi-me que cresci no dia em que perdi um ente querido. Cresci porque percebi que o mundo não é feito do cor-de-rosa que (felizmente) a minha infância foi pintada. Dei outro salto quando fui perdendo outras pessoas. Tiro fotografias, compulsivamente, àqueles que amo. Quero guardá-los todos. Torná-los imortais, mesmo que seja apenas no papel. Não são os anos mas a dor que nos fazem crescer.
Acordei de todas estas divagações, bebi o café, já frio, que estava a mexer há mais de uma hora. Os portugueses ganharam. A criança acabou por adormecer ao colo da mãe. Fui para casa, com o sorriso do gaiato gravado na cabeça. Ao chegar, a minha mãe perguntou-me se queria bolo de caramelo para o aniversário. Quer fazer um pudim e uma salada de frutas. Afinal, um dia não são dias, justifica. Eu só queria adormecer ao seu colo nesse dia....
A criança rompeu pelo café, em direcção a um homem que, concentrado, via o jogo de Portugal contra não sei quem. Puxa-lhe o braço para requisitar a sua atenção. "Olha, tenho uma coisa para te dizer: faço hoje anos!"
O menino não tem mais de três anos. Vaidoso, mostra o blusão novo que recebeu.
Levantei a cabeça do mundo feito de folha de jornal onde estava absorvida, e observei aquela cena, tão pura como pueril. Daí a dois dias seria eu uma criança, que também festeja o aniversário. Não vou usar blusão nesse dia, mas vou aproveitar para vestir uma roupa melhorzinha e, quer queira quer não, vou ter bolo a acompanhar o dia. Um dia que se assemelha sempre triste e feliz. Com uma semana de antecedência, quando começam a surgir lá em casa as indirectas sobre o que é que se vai passar daí a uns dias, começo a fazer uma retrospectiva da minha vida: o que é que eu já fiz, o que é que quero fazer, o que devia ter feito, onde me situo. Vêm à memória coisas do arco da velha, os anos passam depressa. Ainda sou do tempo das latinhas de leite com chocolate da Tody. A memória é feita de imagens, de palavras, de sabores e de cheiros. Esse foi um dos sabores bons da minha infância, como me ficou o cheiro a terra molhada, nos finais das tardes de Verão, quando ajudava a minha avó a regar o quintal. Uma outra geração, da mesma forma que a minha geração também é diferente da geração daquele miudito que apregoa o aniversário. A criança continua a passear-se pelo café, recebendo beijos de todos. Tão diferentes e tão parecidos que nós somos... seja qual for a nossa idade, as pessoas nunca abdicam de nos dar os parabéns e muitos beijinhos.
Mas os anos não são todos iguais, e nem todos os anos são as mesmas pessoas que nos congratulam por mais um aniversário. Depois de amanhã, os meus avós não vão poder dar-me os parabéns. Gente que já morreu. Outros, o tempo (ou a falta deste) e a distância também os levaram, e esquecem o nosso aniversário assim como o nosso rosto. Por isso, ao encontrarem-nos, anos depois e casualmente, recebemos apenas comentários de circunstância ao nosso aspecto físico. A morte é medonha, insuportável. Não foi preciso um aniversário para amadurecer. Não foi pelo facto de fazer dez ou onze anos que cresci. Apercebi-me que cresci no dia em que perdi um ente querido. Cresci porque percebi que o mundo não é feito do cor-de-rosa que (felizmente) a minha infância foi pintada. Dei outro salto quando fui perdendo outras pessoas. Tiro fotografias, compulsivamente, àqueles que amo. Quero guardá-los todos. Torná-los imortais, mesmo que seja apenas no papel. Não são os anos mas a dor que nos fazem crescer.
Acordei de todas estas divagações, bebi o café, já frio, que estava a mexer há mais de uma hora. Os portugueses ganharam. A criança acabou por adormecer ao colo da mãe. Fui para casa, com o sorriso do gaiato gravado na cabeça. Ao chegar, a minha mãe perguntou-me se queria bolo de caramelo para o aniversário. Quer fazer um pudim e uma salada de frutas. Afinal, um dia não são dias, justifica. Eu só queria adormecer ao seu colo nesse dia....
6 Comments:
Carlinha
Não queria chorar no dia dos teus anos, mas este teu texto comoveu-me muito, pois como dizes não é a idade que nos faz amadurecer mas o desgosto de uma morte de um ente querido e muitos outros pequenos desgostos que a vida nos vai proporcionando.
Espero que sejas sempre feliz e nunca esquecida por todos aqueles que amas.
Um grande e terno beijo de parabénen.
By Lis57, at sábado, abril 29, 2006
Deixamos as palavras mexidas e remexidas nos olhos de quem apenas nos toca sem sentir...
O que desejamos fica demasiado longe para a coragem de um pedido...
Um beijo
By João C. Santos, at domingo, abril 30, 2006
Recordo tbm com mta saudade algumas coisas e algumas pessoas que "ficaram para trás", mas esta é a realidade e resta-nos seguir em frente. Feliz Aniversário!! Cheio de tudo o que mais desejares.
By aos meus olhos, at segunda-feira, maio 01, 2006
Carlinha,
Hoje venho cá propositadamente para te dizer que te lancei um desafio no "About Last Night", que consiste na divulgação de uma associação humanitária ou de solidariedade social à tua escolha, e é um daqueles desafios que não deves ignorar, pois se as famosas correntes da blogosfera servem para nos conhecermos melhor, esta pode ser a altura em que o teu lado solidário se pode evidenciar.
Peço-te por isso que colabores, e que não quebres esta corrente, por muito que não sejas a favor de correntes. Conto contigo.
Boa semana.
Beijinhos.
By Å®t Øf £övë, at segunda-feira, maio 01, 2006
Adorei este texto, é lindo... é ESPECIAL como tu!
Muitos Parabéns amiga!!
Bjinhos
Té
By Anónimo, at terça-feira, maio 09, 2006
Olá Carla,
Espero que esteja tudo bem contigo.
Pois é!!!!
Depois de muito adiar, criei o meu próprio blog.
Beijinhos
Aguardo uma visita tua
By Pi, at domingo, maio 14, 2006
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